segunda-feira, 28 de maio de 2012

Carver


Carver

Utiliza las cosas que te rodean.
Esta ligera lluvia
del otro lado de la ventan, por ejemplo.
Este cigarillo entre los dedos.
Estos pies en el sofá.
El débil sonido de rock and roll.
El ferrari rojo en el interior de tu cabeza.
La mujer que anda a tropezones
borracha por la cocina.
Toma todo eso.
Utilízalo.
[Poema de Roberto Bolaño]
[Foto
Jellyfish in The Rain, de Jester Of Reason]


sexta-feira, 23 de março de 2012


Oração para Marilyn Monroe

Senhor

recebe esta moça conhecida em toda a terra pelo nome de Marilyn Monroe
ainda que este não seja o seu nome verdadeiro
(mas Tu conheces o seu nome verdadeiro, o da pequena orfã).
violentada aos 9 anos,
a empregadinha de loja que quis se matar aos 16
e agora se apresenta diante de Ti sem nenhuma maquilagem
Sem seu Agente de Imprensa
Sem fotógrafos e sem assinar autógrafos
sozinha como um astronauta diante da noite espacial.
Ela sonhou quando menina que estava nua em uma igreja
(de acordo com a Time)
diante de uma multidão prostrada, com as cabeças no chão
e tinha que caminhar na ponta dos pés para não pisar nas cabeças.
Tu conheces nossos sonhos melhor que os psiquiatras.
Igreja, casa, cova, são a segurança do seio materno
mas também é mais que isso.

As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão debaixo de um jorro de luz).
Porém o templo não são os estúdios da 20th Century Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.

Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás apenas uma empregadinha de loja.
Que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E o sonho foi realidade (mas como a realidade do technicolor).
Ela apenas representou de acordo com o script que lhe demos
--O de nossas próprias vidas-- E era um script absurdo.
Perdoa-lhe Senhor e nos perdoa
por nossa 20th Century
por esta Colossal Super Produção em que todos trabalhamos
Ela tinha fome de amor e oferecemos tranqüilizantes.
Pela tristeza de não sermos santos
recomendamos a Psicanálise.

Lembra-Te Senhor do seu crescente pavor da câmara
E seu ódio à maquilagem – insistindo em maquilar-se a cada cena –
e como se foi fazendo maior o horror
e maior a impontualidade nos estúdios.

Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal quanto um sonho que um psiquiatra interpreta e arquiva.

Seus romances foram um beijo com os olhos fechados
que quando se abrem os olhos
descobrem-se embaixo de refletores
e os refletores se apagam.

E as duas paredes do quarto se desmontam (eram um set de cinema)
enquanto o Diretor se afasta com suas anotações
porque a cena já foi rodada.
Ou como uma viagem de iate, um beijo em Singapura, um baile no Rio
a recepção na mansão do Duque e da Duquesa de Windsor
vistas da sala do apartamento miserável.
O filme acabou sem o beijo final.
Acharam-na morta em sua cama com a mão ao telefone
E os detetives não souberam a quem ia chamar.
Foi
como alguém que discou o número da única voz amiga
e ouve apenas a voz de uma gravação dizendo: WRONG NUMBER
Ou como alguém que ferido pelos gangsters
estende a mão para um telefone desligado.
Senhor
quem quer que tenha sido a quem ela chamava
e não chamou (talvez ninguém
ou era Alguém cujo número não se encontra na Lista de Los Angeles)
atende Tu ao telefone.

[Poema de Ernesto Cardenal]
[Tradução de Roberto Schimmit-Prym]
[Foto
Marilyn Adormecida em Azul, de Bert Stern]

segunda-feira, 31 de outubro de 2011


Em face dos últimos acontecimentos

Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?
[Poema Em face dos últimos acontecimentos, de Carlos Drummond de Andrade]
[Foto Sex, de 76dragons]

segunda-feira, 25 de abril de 2011

2666


2666

Uno de los empleados era un farmacéutico casi adolescente, extremadamente delgado y de grandes gafas, que por las noches, cuando la farmacia estaba de turno, siempre leía un libro. Una noche Amalfitano le preguntó, por decir algo mientras el joven buscaba en las estanterías, qué libros le gustaban y qué libro era aquel que en ese momento estaba leyendo. El farmacéutico le contestó, sin volverse, que le gustaban los libros del tipo de "La metamorfosis", "Bartleby", "Un corazón simple", "Un cuento de Navidad". Y luego le dijo que estaba leyendo "Desayuno en Tiffanys", de Capote. Dejando de lado que "Un corazón simple" y "Un cuento de Navidad" eran, como el nombre de este último indicaba, cuentos y no libros, resultaba revelador el gusto de este joven farmacéutico ilustrado, que tal vez en otra vida fue Trakl o que tal vez en ésta aún le estaba deparado escribir poemas tan desesperados como su lejano colega austriaco, que prefería claramente, sin discusión, la obra menor a la obra mayor. Escogía "La metamorfosis" en lugar de "El proceso", escogía "Bartleby" en lugar de "Moby Dick", escogía "Un corazón simple" en lugar de "Bouvard y Pécuchet", y "Un cuento de Navidad" en lugar de "Historia de dos ciudades" o de "El Club Pickwick". Qué triste paradoja, pensó Amalfitano. Ya ni los farmacéuticos ilustrados se atreven con las grandes obras, imperfectas, torrenciales, las que abren camino en lo desconocido. Escogen los ejercicios perfectos de los grandes maestros. O lo que es lo mismo: quieren ver a los grandes maestros en sesiones de esgrima de entrenamiento, pero no quieren saber nada de los combates de verdad, en donde los grandes maestros luchan contra aquello, ese aquello que nos atemoriza a todos, ese aquello que acoquina y encacha, y hay sangre y heridas mortales y fetidez.

[Trecho de 2666, de Roberto Bolaño]
[Foto Fight In The Snow, de Matt The Samurai]

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A Metamorfose [Die Verwandlung]

Certa manhã, após um sono conturbado, Gregor Samsa acordou e viu-se em sua cama transformado num inseto monstruoso.
Deitado de costas sobre a própria carapaça, ergueu a cabeça e enxergou seu ventre escurecido, acentuadamente curvo, com profundas saliências onduladas, sobre o qual a colcha deslizava, prestes a cair. Suas inumeráveis pernas, terrivelmente finas se comparadas ao volume do corpo, agitavam-se pateticamente diante de seus olhos.

[Parágrafo inicial de A metamorfose, de Fraz Kafka]
[Tradução de Lourival Holt Albuquerque]
[Foto Metamorphosis of Mr. Samsa, de
~ozgurdinler]

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Jogo da amarelinha [Rayuela]


O jogo da amarelinha [Rayuela]

Encontraria a Maga? Tantas vezes, bastara-me chegar, vindo pela rue de Seine, ao arco que dá para o Quai de Conti, e mal a luz cinza e esverdeada que flutua sobre o rio deixava-me entrever as formas, já sua delgada silhueta se inscrevia no Pont des Arts, por vezes andando de um lado para o outro da ponte, outras vezes imóvel, debruçada sobre o parapeito de ferro, olhando a água. E, então, era muito natural atravessar a rua, subir as escadas da ponte, dar mais alguns passos e aproximar-me da Maga, que sorria sempre, sem surpresa, convencida, como eu também o estava, de que um encontro casual era o menos casual em nossas vidas e de que as pessoas que marcam encontros exatos são as mesmas que precisam de papel com linhas para escrever ou aquelas que começam a apertar pela parte de baixo o tubo de pasta dentifrícia.

[Parágrafo inicial (ou não) de O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar]
[Tradução de Fernando de Castro Ferro]
[Foto Pont des Arts, Paris, de Offering]

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Lutador

O lutador

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.

Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto.

Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.

Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.

Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
aquela sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.

O ciclo do dia
ora se conclui
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

[Poema O lutador, de Carlos Drummond de Andrade]

[Foto Words and Thoughts, de Hermin Abramovitch]