sábado, 28 de novembro de 2009
Música de Schubert
Sombras de amores
em bailado longínquo, num palco sem fundo
como um fundo de espelho...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Window, de Michal Tokarczuk]
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Paisagem
A cascavel chocalha na moita, anunciando,
grátis,
um destino certo...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Find Love In All Things, de Jon Raskin]
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Oração
O louva-deus, ereto, num caule de junquilho,
reza, de mãos postas, com punhais cruzados,
como um bandido calabrês...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Mantis Portrait, de Shnivae]
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Riqueza
Veio ao meu quarto um besouro
de asas verdes e ouro,
e fez do meu quarto uma joalharia...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Green Rainbow Beatle, de Biretta]
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quinta-feira, 26 de novembro de 2009
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quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Evocação
Lagosta púrpura:
uma galera a remos
conduzindo um César...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto My fave critter, de soundbuzz]
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Infinito
Ó múmia longa,
ante os teus séculos,
eu durmo ainda...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Mummy I, de ~sickgirl123]
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domingo, 22 de novembro de 2009
Mundo pequeno
O albatroz prepara
breve passeio
de Pólo a Pólo...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Albatross of Alcatraz, de ~SielojRamu]
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Egoísmo
Se fosse só eu
a chorar de amor,
sorriria...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto My child inside began to cry, de Zombieplayhouse]
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Imensidão
Cheiro salgado
de um cavalo suado.
Quem galopa no mar?...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Trojan Horse, de Wooden-Spoon]
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sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Distância sentimental
Mesmo ao sonhar contigo,
só consigo que me ames noutro sonho
dentro do meu sonho primitivo...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto A portrait of she, de Gilad Benari]
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Falta de armas
Dois caracóis chocaram, de leve, as suas cascas,
e mexeram tentáculos, um dia inteiro,
pedindo-se mil desculpas...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Snail Back-Ride, de Yellow Eleven]
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Sergio Lifar
No palco em penumbra,
como os violinos e as cigarras,
alguém canta com o corpo...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Man 0018, by ~Krakhan]
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Bergson
Uma àguia continua,
ao sol do dia,
os vôos do mocho de Minerva...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Morning eagle, de =Merlinstouch]
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Para os almanaques
No meu relógio, de uma para outra hora,
quando o ponteiro menor sai a levar lembranças,
passa-lhe à frente o grande, transportando intrigas...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto The Orloj, de *RivkaZ]
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Romance - II
Bem na frente
de um retrato empoeirado,
uma aliança esquecida...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Nostalgia, de ~KaroG]
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Romance - I
No cinzeiro cheio
de cigarros fumados,
os restos de uma carta...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto There's no signing, de lastbestthing]
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Turismo sentimental
Viajei toda a Ásia
ao alisar o dorso
da minha gatinha angorá...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto My Love My Cat de Emreinanc]
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Encorajamento
Meu desejo corre a ti com velas enfunadas...
Podes dar-lhe um porto, sem nenhum receio:
ele não traz âncora...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Sail, de Stefan Rappo]
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Madrigal gravado em laca
Quando a borboleta coroou a flor amarela
os lírios , em ângulo reto com seus caules,
fizeram uma profunda saudação...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Peacock Butterfly, de Spacey The Bard]
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Epigrama
Ó lua cheia,
ocular de um longo telescópio branco
que devassa o país dos amores platônicos...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Moon in Red, de ForkBreaker]
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Definição
O cigarro de fumaça impalpável e brasa colorida,
que se afunda a si mesmo num cinzeiro,
será um poeta?...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Ashtray II, de aholeinthesky]
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Pudor estoico
Acuado entre brasas
um escorpião volve o dardo
e faz o hara-kiri...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto Nature's Arsenal III, de Adam Browning]
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Teresa
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
[Poema de Manuel Bandeira]
[Foto Million Dollar Legs, de Adam Chilson]
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
[Poema de Manuel Bandeira]
[Foto Guinea Pig, de Toeps]
O Exemplo das Rosas
Uma mulher queixava-se do silêncio do amante:
- Já não gostas de mim, pois não encontras palavras para me louvar!
Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no seio:
- Não será insensato pedir a esta rosa que fale?
Não vês que ela se dá toda no seu perfume?
[Texto de Manuel Bandeira]
[Foto Rose, de Arpagic]
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
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— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
[Poema de Manuel Bandeira]
[Foto Tango, de ~Aerindel]
Necrológio dos desiludidos do amor
Os desiludidos do amorestão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou no turvo inferno.
Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia...
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados completamente
(paixões de primeira e de segunda classe).
Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
[Poema de Carlos Drummond Andrade]
[Foto Waiting too long for some love, de Suphafly]
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quarta-feira, 18 de novembro de 2009
A flor e a náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cizenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.
Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam pra casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
[Poema de Carlos Drummond de Andrade]
[Foto Between a rock 'n a hard place, de *Suinaliath]
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Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
[Poema: Carlos Drummond de Andrade]
[Foto: A ordem, de LostSnow]
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terça-feira, 17 de novembro de 2009
Poema do beco
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco.
[Poema de Manuel Bandeira]
[Foto Alley Drift, de inverno]
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