domingo, 16 de maio de 2010

Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.
[1o. parágrafo de Lolita, de Vladimir Nabokov]
[Tradução de Jorio Dauster]
[Foto Alessya portrait 14 25, de Wood Eye]
Memórias do Subsolo
Sou um homem doente...Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (Sou suficientemente instruído para não ter nenhuma superstição, mas sou supersticioso.) Não, se não quero me tratar, é apenas de raiva. Certamente não compreendeis isto. Ora, eu compreendo. Naturalmente não vos saberei explicar a quem exatamente farei mal, no presente caso, com a minha raiva; sei muito bem que não estarei a "pregar peças" nos médicos pelo fato de não me tratar com eles; sou o primeiro a reconhecer que, com tudo isto, só me prejudicarei a mim mesmo e a mais ninguém. Mas apesar de tudo, não me trato por uma questão de raiva. Se me dói o fígado, que doa ainda mais.
[1o. parágrafo de Memórias do Subsolo, de F. M. Dostoiévski]
[Tradução de Boris Schnaiderman]
[Foto Charles Bukowski, de *gottfriedhelnwein]
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sábado, 15 de maio de 2010
Hierograma - IV
Beija-me...
Depois, se não me quiseres,
dir-te-ei, depressa, o nome
de alguém que te ama...
[4a. estrofe do poema "Hierograma", de João Guimarães Rosa]
[Foto Would you kiss, de Bloody Lin (Michelle)]
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Hierograma - III
o jardineiro desfolha e derrama
na suburra do charco,
em lácreos jasmins de cheiro açucarado,
os beijos mais raros de uma Imperatriz...
[3a. estrofe do poema "Hierograma", de João Guimarães Rosa]
[Foto Philadeuphus - Jasmin, de Elentarie]
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Hierograma - II
A brisa baralhou
o enxame azul de borboletas
que se casavam nas corolas,
e logo todas trocaram de par...
[2a. estrofe do poema "Hierograma", de João Guimarães Rosa]
[Foto Two Spotted Line Blue, de Inckurei]
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Hierograma - I
No jardim pagão,
os panos de púrpura de uma fúcsia
poliandra,
oito estames preguiçosos
namoram um pistilo voluptuoso...
[1a. estrofe do poema "Hierograma", de João Guimarães Rosa]
[Foto Fucsia, de CMB]
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sexta-feira, 14 de maio de 2010
Elegia
Teu sorriso se abriu como uma anêmona
entre as covinhas do rosto infantil.
Estavas de pijama verde,
nas almofadas verdes,
os pezinhos nus, as pernas cruzadas,
pequenina,
como um ídolo de jade
que teve por modelo uma princesa anamita.
Tuas mãos sorriam,
teus olhos sorriam,
o liso dos teus cabelos pretos sorria,
e mesmo me sorriste,
e foi a única vez...
Não pude calçar, com beijos os teus pezinhos,
e não pudeste caminhar para mim...
Mas é bem assim que os meus sonhos se possuem.
[Poema de João Guimarães Rosa]
[Foto French Feet Kissing, de Sandra Gonçalves]
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quinta-feira, 13 de maio de 2010
Medo da felicidade
Estremecemos juntos...
Que Potência má será a soberana
desse vento frio que passou?
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto separation anxiety, de devilicious (Mary)]
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[Antiga entrada do Hagembeck Zoo, em Hamburgo, Alemanha]
Taumaturgo
Muitos bichos reunidos?: um jardim Hagembeck.
Ou, quem sabe, talvez, a arca de Noé...
Mas um gênio os dirige?: um livro de Kipling...
[Hai-Kai de João Guimarães Rosa]
[Foto nostalgia, de Ann Chris]
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