quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Duplo - Um poema de Petersburgo [Двойник: Петербургская поэма]

Fora de si, irrompeu na sua própria casa o herói da nossa história; sem tirar o capote nem o chapéu, passou o corredor e, como que atingido por um raio, parou à ombreira da porta do seu quarto. Todos os pressentimentos do senhor Goliádkin se tinham concretizado plenamente. Tudo o que suspeitara e receara era agora realidade. Cortou-se-lhe a respiração, a cabeça começou a andar-lhe à roda. O desconhecido estava sentado diante dele, também de capote e chapéu, em cima da sua cama, com um ligeiro sorriso e franzindo um pouco os olhos, a acenar-lhe amigavelmente com a cabeça. O senhor Goliádkin quis gritar mas não conseguiu; quis protestar mas não teve forças. O cabelo pôs-se-lhe em pé, os joelhos dobraram-se de terror. De resto, tinha razões para tal. O senhor Goliádkin reconheceu categoricamente o seu amigo noturno. O seu amigo noturno mais não era do que ele próprio - o próprio senhor Goliádkin, outro senhor Goliádkin, mas absolutamente igual a ele - numa palavra, o que se chama um duplo dele, em todos os sentidos.

[Trecho de Um Duplo - Poema de Petersburgo, de Fiodor Mikhailóvich Dostoiévski]
[Tradução de Nina e Filipe Guerra]
[Foto Magritte, de Mike Outloud, baseada no quadro La reproduction interdite (1937), de René Magritte]

1 Comment:

  1. Blog da Lu said...
    Puta que pariu! Como é que se escreve depois de ler esse homem! Só resta ver o Nolam, ou o Kubrick, tão fodásticos quanto...

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